"A essencia do ser é existir, a nossa é persistir no Calabar."
Artigo na Tribuna da Bahia (25/03/06)
"Canadenses ajudam a biblioteca do Calabar"
As origens e as culturas são diferentes, mas uma realidade social semelhante
aproxima jovens baianos e canadenses para um único propósito: estimular a educação com a construção de uma biblioteca pública
no bairro do Calabar. Desde a semana passada que doze voluntários da província de Quebec no Canadá estão ajudando a juventude
da comunidade carente a realizar um sonho. Quem chega no prédio onde vai funcionar o projeto, se impressiona
com a integração dos baianos e estrangeiros. Enquanto alguns pintam as paredes, outros montam as estantes e um outro grupo
cataloga os livros doados. Até o momento, foram recebidos mais de dois mil livros e 1.600 já foram catalogados.
O grupo Jovens em Ação surgiu a partir do Consórcio Social da
Juventude, (programa do governo federal) e tem o apoio do Instituto C&A e da Ong Avante. O objetivo do Consórcio é conscientizar
adolescentes e jovens a realizarem mudanças em suas comunidades. O intercâmbio entre os dois grupos nasceu através de um contato
entre a Ong Avante e um outro organismo sem fins lucrativos do Canadá. “Eles ficaram admirados como nós cuidávamos da
formação do cidadão e vieram para cá porque identificaram na nossa filosofia o incentivo para que os jovens de lá voltassem
a estudar”, contou a coordenadora e educadora da Ong brasileira, Rita Margareth. De acordo com a brasileira,
uma das coordenadoras do centro de ajuda canadense, Débora Pinheiro que mora no país há dez anos, a realidade social da juventude
de lá também é complicada. “São jovens com dificuldades de inserção no trabalho, que pararam de estudar e que sofrem
com problemas familiares”, esclarece. Conforme Pinheiro, o intuito é mostrar que o mundo está globalizado e que os mesmos
problemas atingem jovens do mundo inteiro. Durante o dia, a juventude que tem entre 17 e 25 anos se integram
na reforma do prédio e à noite participam de oficinas e atividades culturais. “Para a compra do material da reforma,
chegamos a fazer rifas, seções de vídeo, onde cobrávamos R$1 por cada pessoa e vendíamos lanches”, relata Rodrigo Rocha, 23 anos, integrante do projeto. Segundo Rocha a troca de experiência com os canadenses
tem sido bastante produtiva. “Apesar de termos linguagens e culturas diferentes estamos nos dando muito bem”,
afirma. De um lado, a admiração pelo jeito alegre e a solidariedade do baiano, do outro o encanto é pelo
esforço dos canadenses na hora de trabalhar. A jovem Nancy Le febre, 23 anos se impressiona com a alegria dos brasileiros.
“Eles são felizes sem possuir muitos recursos e são pessoas solidárias e trabalhadoras”, diz. Ao falarem dos problemas,
os baianos e canadenses dividem histórias. Le frebe relata que além de sustentar uma filha de 14 meses, tem que pagar luz,
água e aquecimento, já que na cidade costuma fazer um frio de –35º. Mesmo com a ajuda de U$S 500 do governo, falta dinheiro
no final do mês, pois o custo de vida da cidade é considerado alto. “Vi que meu bairro estava carente,
só existia violência e tráfico, então percebi que precisava me integrar a um grupo e trazer histórias diferentes para minha
comunidade”, diz Carlos Lima, 21 anos. Ele que está cursando o
3º ano relata que uma das maiores dificuldades dos jovens do Calabar é enfrentar a fama de marginalidade do bairro. “Sofremos
muito a discriminação das pessoas. Todos levam a culpa de uns poucos que andam errado”, reclama. A
canadense Andrey Morin, 19 anos diz que fica feliz ao ajudar na montagem da biblioteca. “Está sendo muito gratificante.
Apesar de ser pequena vai beneficiar muitas pessoas da comunidade”, conclui orgulhosa.
Reportagem no Jornal A Tarde
"Geração 21"
por Regina Bochicchio
Pesquisa
aponta que juventude está presente em ações coletivas mas longe dos espaços políticos formais
Em pleno século 21, os jovens brasileiros
vivem uma contradição: ao mesmo tempo em que são tachados de alienados e individualistas, têm um desejo profundo de colocar
a mão na massa e transformar a realidade. Porém, repudiam a forma convencional de fazer política. Pelo menos foi isso o que
diagnosticou a pesquisa “Juventude Brasileira e Democracia”, divulgada no dia 28 do mês passado.
Analisado
a partir de números, o estudo mostra que o jovem participa pouco da vida pública: de um total de 8 mil entrevistados, de 15
a 24 anos, apenas 28% integram algum grupo; destes, a grande maioria [42%], ligada a religião. Contudo, percebida através
da troca de idéias, com perguntas abertas e respostas espontâneas, a pesquisa aponta a preocupação com o “futuro”
do País e o desejo de agir na sociedade.
Ou seja, chamar o jovem contemporâneo de alienado soa anacrônico. O estudo
foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas [Ibase] e Instituto de Estudos, Informação e Assessoria
em Políticas Sociais [Polis], em oito capitais [Salvador, Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São
Paulo] entre outubro de 2004 e maio de 2005.
Retrovisor – Segundo uma das responsáveis pela pesquisa,
Ana Luiza Salles Souto, do Polis, a novidade do estudo é apontar o potencial de participação do jovem na esfera pública. “Ele
quer ser ouvido e participar da construção de um país que ele deseja, mas coloca condições para isso: só se engaja num projeto
se, de fato, mostrar resultados.”
O fato é que, mesmo desejosa de mudança, para Souto, a juventude não se sente
instrumentalizada para ocupar o espaço público. Mesmo porque há resistência com a “politicagem” e falta de espaços
adequados para ação: “Eles têm descrença nos políticos, mas não na política. Por isso não adianta o adulto olhar o jovem
pelo retrovisor, comparando com gerações passadas. O mundo mudou, é outro”, aponta. Em outras palavras, o jovem de hoje
não está disposto a conservar a política convencional, por essa razão, prefere negá-la.
O estudo pondera, por exemplo,
que “há exageros quando se denuncia a apatia juvenil e se deixa de perceber que a crise de participação cidadã é fenômeno
social ampliado que atinge todas as faixas etárias da população”. Diz ainda que as dificuldades para se encontrar meios
de ação para a resolução dos problemas coletivos é generalizada.
O discurso pode parecer até uma justificativa para
a omissão dos jovens brasileiros. Mas a constatação final da pesquisa é outra: nota-se a presença de jovens em outros tipos
de ação coletiva que não os espaços políticos formais. “As novas formas e temas pelos quais os jovens se mobilizam na
esfera pública também indicam o quadro de crise das formas tradicionais de participação e socialização política”, está
escrito no relatório final.
“Falta oportunidade de reunir jovens”
“A
essência da existência do nosso grupo é acreditar e persistir no Calabar”, diz Patrícia Lima,
22, estudante secundarista. Ela e mais 30 jovens do bairro criaram o Grupo Jovens em
Ação, cujo objetivo está expresso nas palavras da moça. Ou seja, eles fazem parte dos parcos 4,3% da
amostragem da pesquisa, de jovens que se preocupam com a melhoria do bairro.
Nada de vinculação à política partidária
ou troca de favores. A idéia desses jovens é construir um local melhor para viverem. O Calabar é tido como um dos bairros
onde a violência é recorrente, principalmente entre pessoas nessa faixa etária.
A solução para o pessoal do Jovens em Ação está pautada no acesso à informação. O primeiro grande
plano deles é revitalizar e reinaugurar a biblioteca comunitária do bairro. A pergunta que vem à cabeça é: como esses jovens
se articularam?
Por intermédio de outro grupo de jovens voluntários, da Fundação C&A – pessoas que trabalham
nas lojas e que dedicam parte do seu tempo, sem ganhar nada, para articular trabalhos em bairros de Salvador.
“Acho
que as pessoas da nossa idade não fazem nada por falta de oportunidade. Eu mesmo não sabia como começar a fazer algo. Depois
que começamos a conversar, entre nós lá do bairro, percebemos que temos muitas coisas em comum, as mesmas preocupações”,
aponta Carlos Lima, 21, estudante secundarista.
Outro que “se descobriu”
foi Jorge Alves Barbosa, 22. “Nunca tinha pensado que eu pudesse fazer alguma coisa;
acho que falta mesmo oportunidade de se reunirem os jovens. Eu sinto uma coisa boa, assim como uma alegria muito grande de
fazer parte disso.” Por enquanto, o grupo está sem apoio financeiro, mas está pensando em formas de arranjar dinheiro.
Violência e trabalho
Essas são as principais preocupações
do jovem brasileiro. Nas oito capitais pesquisadas, a violência aparece como a primeira preocupação em cinco delas [Salvador,
Rio de Janeiro, Recife, Porto Alegre e Belo Horizonte]. Nessas capitais, o trabalho, ou a falta deste, aparece como segunda
grande preocupação e ocupa o primeiro lugar nas capitais restantes [Belém, Distrito Federal e São Paulo]. Nestas, a violência
está em segundo lugar na lista de preocupações.
Dos jovens que não estão trabalhando, 62,9% se dizem à procura de
trabalho, de preferência, com a carteira assinada. Entre os que trabalham, 30,5% têm carteira assinada e 44,6% não assinam
carteira. Educação, miséria, pobreza, discriminação racial, política, corrupção, drogas, situação do povo brasileiro foram
outros itens citados espontaneamente pelos entrevistados.
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